1797 e 1798
Francisco Goya, nascido em 1746 em Saragoça, Espanha, é um dos artistas mais influentes da história da arte ocidental. Embora tenha sido um pintor reconhecido durante sua vida, especialmente como pintor oficial da realeza espanhola, retratando Charles III, Charles IV e Fernando VII, foi após sua morte que ele se tornou o grande Goya que conhecemos hoje. Suas obras transcenderam o tempo, destacando-se não apenas pela técnica, mas pela profundidade filosófica e crítica social que ele incorporou em suas pinturas.
Goya enfrentou problemas de saúde ao longo de sua vida, incluindo uma doença que o deixou completamente surdo. Esse isolamento auditivo o levou a introspecções profundas, registradas em seus escritos, que revelam um pensador influenciado pelo Iluminismo e crítico das autoridades da época. Isso é especialmente notável, considerando que ele era o pintor oficial da realeza em um período em que Igreja e Estado estavam fortemente interligados.
Igreja e Autoridade
A “autoridade tradicional” no contexto de Goya pode ser fortemente associada à Igreja. Durante séculos, a Igreja teve um papel crucial na formação de uma sociedade obediente, usando a promessa da salvação eterna e o medo do inferno para manter as massas sob controle. A Igreja oferecia uma esperança de que tudo ficaria bem, camuflando assim as injustiças sociais e as desigualdades prevalentes.
A bruxaria, nesse contexto, surgiu como um símbolo de rebeldia contra essa autoridade estabelecida. A prática da bruxaria representava uma quebra das tradições impostas pela Igreja, desafiando a ordem vigente.
O Sabá das Bruxas
“O Sabá das Bruxas”, pintado por Goya entre 1797 e 1798, é uma das suas obras mais icônicas e é frequentemente referenciada na cultura popular. Esta pintura faz parte de um conjunto de obras que Goya criou no final de sua vida. Durante esse período, ele se isolou em sua casa nos arredores de Madri, acometido por uma doença que o deixou surdo e, possivelmente, afetou sua saúde mental.
Quando Goya morreu, foram descobertas em sua casa diversas pinturas macabras, cheias de sofrimento, dor, guerra e temas demoníacos, conhecidas como Pinturas Negras. Essas pinturas são a terceira grande coleção de obras subversivas de Goya, precedidas por “Os Caprichos” e “Os Desastres da Guerra”.
“Aquelarre”, ou “O Sabá das Bruxas”, apresenta um grande bode, símbolo do diabo, rodeado por feiticeiras que trazem crianças para serem sacrificadas. Na época, a mortalidade infantil era extremamente alta, e a sociedade buscava explicações externas para tal desgraça. O diabo, inimigo de Deus, era visto como o culpado, o que reforçava a ideia de que apenas Deus poderia combater tal mal e reduzir a mortalidade infantil.
Esse pensamento desviava a culpa das altas taxas de morte, fome e sofrimento da extrema desigualdade entre o povo e a realeza, atribuindo-a a um inimigo invisível e abstrato, uma transferência de culpa conveniente.
Sátira de Goya
Uma das obras mais conhecidas de Goya é “O sono da razão produz monstros”. Em espanhol, a palavra “sueño” possui um duplo significado, referindo-se tanto a “sono” quanto a “sonho”, permitindo duas interpretações dessa frase. Se considerarmos “sueño” como “sono”, entendemos que, quando a razão adormece, monstros noturnos emergem, sugerindo que é melhor que a razão esteja desperta para afastá-los. Nesse caso, os monstros são externos à razão, alinhando-se a um propósito educativo.
No entanto, se considerarmos “sueño” como “sonho”, então a própria razão, ao operar em um estado noturno, é quem produz os monstros. Portanto, Goya pode estar sugerindo que a razão, quando não está totalmente alerta, pode criar seus próprios monstros.
“O Sabá das Bruxas” é uma sátira de Goya, onde ele afirma que a Igreja é o próprio demônio disfarçado de bode, responsável pela morte de tantas crianças na época. Em outro quadro também intitulado “O Sabá das Bruxas”, Goya pinta o bode com roupas de padre, tornando sua mensagem ainda mais clara.
Como mencionado anteriormente, se considerarmos “sueño” como “sonho”, significa que a própria razão é capaz de gerar monstros quando está adormecida. Acredito que Goya não pintou O Sabá das Bruxas por causa da sua doença ou saúde mental debilitada. Pelo contrário, ele estava totalmente consciente e razoável ao criar essa obra, mostrando que a razão, quando sonha, pode produzir monstros.
Atualmente, “O Sabá das Bruxas” está em exibição no Museo Lázaro Galdiano, em Madri, Espanha. Essa obra, junto com outras da fase das Pinturas Negras, continua a fascinar e intrigar espectadores, reafirmando o legado duradouro de Goya como um dos maiores artistas da história.
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