Tudo é rio – Carla Madeira

tudo é rio
capa

Carla Madeira é uma escritora brasileira, nascida em Belo Horizonte, Minas Gerais, e autora de sucessos como Tudo é rio, Véspera e A Natureza da Mordida. Com mais de 400 mil cópias vendidas, Tudo é rio tornou-se um dos livros mais vendidos no Brasil nos últimos anos. Apesar do grande sucesso, minha opinião sobre a obra não é totalmente positiva.

Resumo com spoilers

A história de Tudo é Rio gira em torno de três personagens principais envolvidos em um triângulo amoroso disfuncional: Lucy, Venâncio e Dalva.

Lucy, uma jovem que perde ambos os pais de forma trágica e precoce, é acolhida pela tia Duca, irmã de seu pai. Tia Duca era casada com Brando, com quem tinha duas filhas, Cléia e Valéria.

Mesmo muito jovem, Lucy tinha grande interesse sexual em outros homens, principalmente em seu tio Brando. Com isso, ela começa a tentar seduzi-lo. Ao invés de dispensá-la e contar para a tia, ele retribui as suas investidas.

No entanto, Brando não quer ser o primeiro homem de Lucy, então ele sugere que ela procure outra pessoa para perder a virgindade. Com isso, ela decide procurar por qualquer pessoa disposta a se relacionar com ela. Sem dificuldade, Lucy encontra Maneco, um dentista, e depois se envolve com Seu Bento, o farmacêutico que a conheceu desde a infância.

Após essa experiência, Lucy retorna para casa e acaba se envolvendo com Brando. Quando Tia Duca entra na sala, ela se depara com a cena, e, em meio a gritos e lágrimas, Lucy revela que tomou essa atitude porque sentia que Tia Duca nunca a amou da mesma forma que ama suas próprias filhas. Lucy é expulsa de casa e decide virar prostituta.

“Entre gostar de dar e ser puta vai uma distância que Lucy tratou de aproximar. Não queria dar de graça.”

Venâncio e Dalva eram um casal apaixonado, o tipo de história digna de novela da Globo. Eles eram cúmplices e compartilhavam uma química verdadeira, até decidirem se casar. No entanto, após o casamento, o amor entre eles começa a esfriar.

Quando Dalva anuncia que está grávida, Venâncio mergulha em um espiral de ciúmes obsessivos. O menino nasce e, enquanto Dalva se sente realizada com a chegada da maternidade, Venâncio não compartilha da mesma felicidade. Certo dia, enquanto Dalva amamentava o filho, Venâncio entra furioso no quarto, tira o filho do seio da mãe e o arremessa na parede antes de espancar violentamente a esposa.

Após o ato de fúria, Venâncio pega o bebê nos braços e corre até a casa de Aurora, mãe de Dalva, em busca de ajuda. Ao chegar, Aurora confirma que o bebê está morto. Esse trágico evento leva Venâncio e Dalva a passarem por um breve término. Durante esse período, Venâncio começa a frequentar constantemente a Casa da Manu, puteiro onde Lucy trabalha.

Lucy se sente atraída pela solidão e sofrimento que Venâncio representa, além de ser fascinada pelo fato de ele não querer inicialmente se envolver com ela. Em busca de um novo desafio, ela o vê como mais um alvo de suas investidas sexuais. Eventualmente, Lucy e Venâncio acabam se envolvendo, e ela descobre que está grávida dele.

Com a gravidez, Lucy começa a assediar Dalva, gritando coisas terríveis para marcar território. Apesar disso, Venâncio continua afirmando que ama Dalva e não Lucy. Dalva, por sua vez, perdoa Venâncio e decide voltar com ele. Por outro lado, Lucy, que não quer criar o filho em um puteiro, decide entregá-lo a Dalva para que ela o crie junto com Venâncio.

Com o tempo, Lucy, antes uma personagem cruel, se acalma e tenta se reaproximar do filho, que agora é criado por Dalva. Um dia, Dalva vai até a Casa da Manu e pede que Lucy cuide de João, seu filho, enquanto vai visitar sua mãe, Aurora.

Plot Twist da pior categoria

Lucy vai até a casa de sua mãe, Aurora, e, após algum tempo, revela uma notícia surpreendente: o filho que foi arremessado por seu pai, na verdade, estava vivo. Agora já uma criança um pouco crescida, ele se chama Vicente. Essa revelação provoca, naturalmente, uma grande euforia na ex-mãe enlutada.

Dalva, ao saber que seu filho, que até então era apenas uma possibilidade do que poderia ter sido, está vivo, decide levá-lo de volta para casa. Em seguida, ela vai até o trabalho de Lucy, faz as pazes com ela, apresenta Vicente e leva João consigo.

Ao retornar para casa com os dois meninos, Dalva encontra Venâncio emocionado, aguardando ansiosamente o retorno de sua família.

Sinceramente…

São raros os livros que me incomodam a ponto de perder o sono, e Tudo é rio conseguiu. Para mim, esse livro é profundamente problemático, abordando temas sérios de maneira pueril, rasa e insuficiente.

Para começar, Lucy, uma criança, se envolve com seu tio Brando, um adulto, e esse fato ocorre de forma alarmantemente natural, como se fosse algo comum e sem grandes repercussões. Esse tipo de naturalidade acontece durante todo o livro, o que torna a leitura ainda mais intragável.

A autora utiliza o argumento de que Lucy é ‘dona de si mesma’ para justificar sua escolha por virar prostituta, mas isso soa profundamente desrespeitoso. Na minha opinião, isso é um desserviço a todas as mulheres que, na vida real, enfrentam as dificuldades diárias para se afirmarem como verdadeiras donas de si mesmas.

Além disso, há uma espetacularização estranha e desconcertante da sexualidade de Lucy. A personagem é retratada de maneira vulgar, o que leva a autora a incluir várias cenas com palavras vulgares. Embora essa escolha estética faça sentido, achei extremamente desconfortável o modo como a vida sexual problemática de Lucy é tratada com tanta crueza e vulgaridade. E olha que eu não sou nenhum puritano.

Apelo à santidade

Dalva, na narrativa, é retratada quase como uma figura messiânica, perdoando Lucy pelos absurdos que ela comete e oferecendo a ‘outra face’. A autora parece sugerir que perdoar torna Dalva uma pessoa mais elevada, mais próxima de Deus, mesmo diante de uma violência extrema, como o que foi feito a ela.

O final do livro traz um plot twist sensacionalista e ridículo, além de um arco de redenção fraco para um personagem profundamente problemático, culminando em um final feliz.

A impressão que fica é que a mensagem do livro é que todos podem se arrepender de seus erros e merecem o perdão das vítimas. No entanto, o que a autora classifica como um ‘erro’ foi, na realidade, um ato de extrema violência: um homem arremessando um bebê de colo, enquanto a mãe ainda o amamentava, antes de espancá-la.

Prosa

A autora Carla Madeira escreve muito bem, e isso é inegável. Ela tem uma habilidade admirável em capturar e descrever sentimentos, especialmente os mais melancólicos. No entanto, em alguns momentos, senti que ela forçava algumas frases de efeito, embora isso não tenha me incomodado tanto.

Acredito que a prosa poética de Carla Madeira tenha convencido muitas pessoas de que este livro é uma obra-prima, mas, na minha opinião, é apenas uma bomba muito bem escrita. Frases de efeito desnecessárias não me convencem.

Conclusão

Na minha opinião, ninguém é obrigado a virar a outra face quando a pessoa que deu o tapa não merece perdão. E Venâncio, no caso, não merece perdão. Fico com um gosto amargo na boca ao imaginar quantas pessoas que leram este livro, talvez passando por situações de violência doméstica, interpretaram que devem perdoar o agressor, já que ‘todo mundo merece perdão’.

Além disso, Venâncio não sofreu nenhuma consequência real pela barbaridade que cometeu. Não há menção ao envolvimento da polícia, ou qualquer consequência legal. No final, ele reconquista sua família e, apesar de tudo, paga por seu crime apenas a nível de consciência.

Em Crime e Castigo, de Dostoiévski, o protagonista, Ródia, comete um crime e passa o livro inteiro lutando com o peso de sua culpa. Ao final, ele encontra seu castigo na Sibéria. Já o castigo de Venâncio foi, no máximo, perder a confiança da esposa por um breve período, até que ela o perdoa.

Tudo é rio é um livro controverso, que certamente causa impacto, mas seu tratamento de temas pesados como abuso e violência doméstica levanta questões sobre a responsabilidade da ficção ao abordar essas realidades. É uma leitura desconfortável, que me provocou reflexões sobre os limites do perdão e a glamorização da dor.

Se alguém te recomendar esse livro, saiba que essa pessoa te odeia.

Uma reflexão sobre a responsabilidade da ficção ao abordar essas realidades.

Uma resposta para “Tudo é rio – Carla Madeira”

  1. […] Falo um pouco mais sobre esse tema na resenha do livro Tudo é rio, da Carla Madeira. […]

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